MMichalski Music News

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vamos a bailar un Tango

Olá, leitor!

Há tempos que não escrevo algo novo por aqui. Mas, recentemente dei uma passada por Buenos Aires, uma breve viagem de reconhecimento à capital argentina, e de lá pude trazer uma breve história da origem do Tango, como estilo musical e dança.

Não posso garantir a veracidade dos fatos aqui narrados, até porque eu escutei essa história de um guia de turismo portenho.

Não sei quanto de lenda ou de verdade ouvi, mas uma pequena pesquisa me fez ver que, pelo menos, existe um grande sentido em tudo.

Além disso, contada da forma como foi, a história sobre a origem do Tango se tornou uma das melhores narrativas que já ouvi. Sem dúvida, um exemplo de como a cultura é um reflexo fiel da sociedade, e como sua evolução se dá de forma tão aleatória e, ao mesmo tempo, lógica.

Bom, o Tango, como música, nasceu graças a um mosquito. Ponto!

Na década de 1870, Buenos Aires atravessou uma das maiores epidemias de febre amarela de sua história. Não era a primeira vez que a capital portenha sofria com esse problema, nem foi a última. Mas para dar uma ideia da gravidade da situação, apenas no ano de 1871 os Argentinos testemunharam a morte de 14.000 pessoas, praticamente 10% da população em sua capital.

Nesta época, um dos maiores focos da doença foi o bairro de San Telmo, no sul de Buenos Aires. Este bairro cresceu ao redor da Igreja de São Pedro Telmo.


Igreja de São Pedro Telmo


San Telmo é um dos mais antigos bairros da cidade e no início de sua história, prosperou em função do porto da Boca, o primeiro porto de Buenos Aires. Era um bairro habitado por famílias aristocráticas da capital. Contudo, com a epidemia de febre amarela, estas famílias iniciaram um processo de migração para o norte do país, abandonando suas casas, pequenos palacetes na cidade.

Praticamente trinta anos se passaram e o bairro de San Telmo já havia se tornado um bairro fantasma. Porém, com o início da imigração dos europeus para a América do Sul, já no início do século XX, o cenário começou a mudar.

Atraídos pela facilidade de se conseguir terras e com a propaganda do governo argentino que oferecia moradia gratuita aos imigrantes europeus, diversas famílias de espanhóis, italianos, franceses e ingleses aportarem em terras portenhas.

E, adivinhe, onde estava a moradia gratuita? Em San Telmo.

As casas, que uma vez pertenceram aos aristocratas de Buenos Aires, abandonadas devido à febre amarela, foram doadas pelo governo portenho aos imigrantes. Contudo, onde uma família vivia no passado, entre 6 e 10 famílias passaram a viver em torno de 1900.

E não eram famílias que se conheciam. Não! Eram famílias que vinham de diferentes países europeus. Em cada quarto das mansões de San Telmo, uma família se abrigava. Espanhóis em um quarto, franceses em outros, italianos ao lado. As áreas comuns, incluindo banheiros e a cozinha, eram compartilhadas e uma grande Babel se formou.

Essas habitações convertidas eram conhecidas como "conventillos", e são muito semelhantes aos nossos cortiços.

E como em um bom cortiço, duas coisas sempre estão presentes: festas e brigas.

Para alegrar as festas, músicas. E como seria a música que poderia surgir com essa grande mistura? O Tango! A guitarra (violão) vinda da Espanha, o acordeom italiano e o violino francês são os instrumentos básicos do Tango clássico.

É interessante observar que não apenas na música, como também na arquitetura, na culinária e nos hábitos portenhos, toda essa influência de diferentes culturas europeias está presente.

Porém, um cortiço não seria cortiço sem as brigas, as "pelejas".

E eram brigas sérias, brigas de morte. Dois iniciavam, ainda vivos, pelo menos um estaria morto ao final. Brigas de faca.

E foi com essas brigas que a dança que conhecemos como Tango surgiu. Dois homens, armados de faca, braços contra braços, tentando jogar um ao outro ao chão para golpear o abdômen do adversário.

Desta forma, podemos dizer que em sua origem, bem lá no início, o Tango era "dançado" por homens brigões.

Então, como toda a sensualidade do Tango surgiu?

Bom, como as brigas eram sérias e nunca acabavam bem, resolveram proibi-las. Ou seja, quem fosse pego lutando Tango seria preso.

Então, os brigões resolveram armar as brigas em locais fechados.

Inclusive, a expressão "tango", em um dialeto africano, significa "lugar fechado" e era utilizada pelos europeus e seus descendentes para marcar as lutas. Se um homem tivesse uma desavença com outro e desejasse resolver a questão, logo chamava o oponente para um "tango" mais tarde.

E o lugar preferido dos brigões passou a ser as antessalas dos prostíbulos da região.

Lógico que os donos dos prostíbulos ficaram preocupados. Afinal, cada vez que dois machões resolvessem suas diferenças com um tango, alguém saía morto, a polícia chegava e o bordel fechava (pelo menos naquela noite).

Então, para evitar o fim trágico e o prejuízo, os donos dos prostíbulos resolveram combinar com suas prostitutas que, cada vez que uma briga de faca se iniciasse, as "damas" deveriam tentar separar os machões.

Imagine a cena: um bordel, o Tango tocando, dois homens começam a discutir e decidem resolver o caso na faca. Levantam-se, vão para o meio do salão e iniciam a briga. Porém, antes que a coisa fique séria, duas "belas donzelas" acodem, uma para cada lutador. E seguram os braços dos brigões. E tentam mantê-los separados. E usam suas pernas, suas mãos, sua força e sua sensualidade para manter os dois brigões longe um do outro e, principalmente, acalmá-los.

E eis que surge o Tango, por completo. E eis porque o Tango nasceu graças a um mosquito...

Algumas curiosidades sobre o Tango:

O mais famoso cantor de Tango argentino, Carlos Gardel, era francês, nascido em Toulouse, em 11 de dezembro de 1890.

Ele chegou à Argentina em 1892 e faleceu em Medellín, em 24 de junho de 1935.

Contudo, antes de falecer, conheceu Alfredo Le Pera, um paulistano nascido em 8 de junho de 1900. Le Pera era filho de italianos e em 1902 mudou-se para o Uruguai. Pouco tempo depois, foi para a Argentina, onde trabalhou como jornalista e crítico de teatro.

Em 1932, quando residia em Paris, trabalhava para a Paramount Pictures, empresa que teve interesse em divulgar a carreira de Carlos Gardel internacionalmente. Desta forma, além de se tornar o escritor de diversos scripts de filmes sobre o Tango, foi o criador de letras de Tango de alto nível, todas cantadas por Carlos Gardel. 

Um dos Tangos de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera mais conhecido é chamado "Amargura".




Alfredo Le Pera veio a falecer no mesmo trágico acidente aéreo que tirou a vida de Carlos Gardel.

Até hoje, um francês e um brasileiro, filho de italianos, são lembrados pelo povo argentino, mantendo suas obras vivas juntamente com o Tango.

Abraços,

Miguel Michalski.