MMichalski Music News

terça-feira, 29 de abril de 2014

Somos todos o que?

A cada novo post, este espaço se torna palco de questões muito mais sociais e filosóficas do que musicais ou técnicas, como era a proposta do Blog.

Porém, assim caminha a humanidade... Realmente não tragos tais questões aleatoriamente, mas sim em virtude dos debates que surgem nos meios de comunicação. E como todo mundo gosta e pode dar sua opinião, por pior que ela seja, eu também posso.

Realmente acho que está na hora das pessoas pararem (de fato, pararem) e pensarem (isso é um pouco mais difícil, mas não menos necessário) no rumo que tomamos. A humanidade estaria no caminho certo? Eu diria que não, e as consequências serão catastróficas. Para mim, somos um bando de lemingues em direção a um precipício.

A analogia que faço entre o comportamento dos seres humanos e desses pequenos roedores vem bem a calhar com o debate da moda: somos todos macacos?

Não é de hoje que os seres humanos, no topo de sua arrogância, prepotência e egocentricidade, denominam seus semelhantes com nomes de outros animais a fim de designar, na maioria das vezes de forma pejorativa, alguma característica particular.

Vaca, galinha, burro, jegue, jumento, anta, baleia, elefante, macaco, piranha, cavalo, porco, rato, cobra, carrapato, ariranha, veado, são alguns exemplos que ouvimos no dia a dia. A própria expressão generalizada, "animal", já é um exemplo.

O interessante é que os seres humanos esquecem que nós somos animais. Somos uma forma de vida que habita este planeta. Simplesmente uma outra forma de vida. Não somos melhores ou piores do que uma barata ou um golfinho, ou uma ameba ou um flamboyants. Somos apenas diferentes. Ligeiramente diferentes. Nossos mapas genéticos não ligeiramente diferentes. E mesmo quando abordamos a questão evolução, é questionável dizer que somos os seres mais evoluídos do planeta. Evoluídos em que sentido?

Porém, para os seres humanos, na maioria das vezes, os outros animais são vistos como formas de vida inferiores. E esta tese é defendida através de várias linhas filosóficas, religiosas e até mesmo biológicas. E, principalmente, no jargão popular.

Então, quando um ser humano evoca o nome de alguma outra espécie para nomear um semelhante, ele não está (geralmente) elogiando, mas sim inferiorizando. Porque se a pessoa tem hábitos de higiene questionáveis para a sociedade, é um porco, que é um animal inferior. Se a pessoa tem uma opção sexual homossexual, é um veado, que também é um animal inferior. Se for uma mulher que possui muitos parceiros sexuais, é uma piranha. E se é negro ou de origem afrodescendente, é um macaco.

Gostaria de enfatizar aqui um ponto que considero importante. Para o leitor menos atento, talvez o fato de serem usados simultaneamente os termos negro e afrodescendente não cause estranheza. Mas, para um leitor mais crítico, pode parecer uma redundância. Mas não é. Devemos lembrar que a população do continente africano é, em sua maioria, composta por negros, mas também existem grupos de brancos no continente, principalmente no norte do deserto do Saara. São árabes, berberes, tuaregues, brancos, entre outros.

Além disso, não encontramos negros apenas na África. Existe, por exemplo, uma enorme população de negros na Índia, talvez a maior população negra em um único país no mundo. E estão lá há milhões de anos. Portanto, chamar um negro de afro descendente é uma generalização preconceituosa e ignorante.

Observação feita, vamos retornar a questão central deste texto: e afinal, somos todos macacos?

Bom, nesta altura do campeonato, se no jargão popular chamar um ser humano com o nome de algum bicho significa querer inferiorizá-lo, então não podemos ser todos macacos. Evolutivamente, somos sim, primatas. Mas não somos macacos.

Ao defendermos esta bandeira, não estaríamos combatendo o racismo que existe em chamar alguém de macaco. Generalizar o termo e chamar qualquer pessoa de macaco, seja ela branca, negra, amarela, parda, vermelha ou azul, não estaria tirando o peso preconceituoso da expressão. Estaríamos nivelando por baixo, simplificando o problema, e sendo extremamente hipócritas. Sim, porque nenhum ser humano é um macaco. Nenhum ser humano deve ser inferiorizado diante de seu semelhante. De repente colocar todo mundo no patamar inferior não devolve aos negros e afrodescendentes sua posição de igualdade com os demais povos.

Pior ainda: esse mau hábito de "nivelar por baixo" é uma das maiores hipocrisias da humanidade. Quando nivelamos por baixo, não damos aqueles que foram sempre inferiorizados a chance de crescer, se desenvolver, de ganhar sua importância, de alcançar seus objetivos. Ao mesmo tempo, não tiramos do que já estavam por cima seus direitos. Portanto, tudo fica muito bonito da boca para fora, nas hashtags e redes sociais, mas no fundo, continua tudo igual.

Sim, somos todos iguais. Todos somos seres humanos. E somos todos diferentes. Cada um é um indivíduo. E não somos todos macacos. E duvido que um macaco ficaria muito feliz ao ser chamado de gente, considerando a forma como vivemos. Somos seres humanos. A rigor, nem piores ou melhores do que um macaco. Apenas diferentes.

Devemos sempre lembrar que o preconceito está nas atitudes e não nas palavras. Quando não enxergamos desta forma, estamos simplificando a questão, perigosamente. Como uma criança diante de um prato de sopa, ficamos preocupados apenas com as poucas letrinhas que parecem na superfície, mas nos esquecemos de todo o conteúdo que existe na base do prato. Só alcançamos este conteúdo se estivermos dispostos a ir fundo com nossa colher, cavucando e remexendo, sem medo do que possa aparecer.

Seguimos tudo o que achamos bonito, sem pensar realmente a respeito das questões. Queremos nos manifestar, mas não temos base. Falamos a primeira besteira que nos vem à cabeça. E desta forma continuamos uma grande boiada. Ou melhor, um bando de lemingues em direção a um precipício.

Lemingues hipócritas. É isso que nós somos.

Abraços,

Miguel Michalski.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

"Brasil: Ame-o ou deixe-o!" ou "Vale a pena abandonar o Brasil?"


Poucas são as vezes que sai por ai dando minha opinião, ainda mais sobre um assunto tão delicado.

Porém, quando uma amiga compartilhou um texto do Gustavo Cerbasi no Facebook e deu sua opinião, tive vontade de contribuir com algumas ideias também. Porém, o que seria uma simples frase, virou o texto que apresento a seguir.

Quem quiser ler o texto do Cerbasi, aqui está o link:

http://www.maisdinheiro.com.br/artigos/6/109/vale-a-pena-abandonar-o-brasil-

Posso dizer que nos últimos dez anos fui um turista quase que constante pela Europa e Américas. Pude observar, mesmo que do ponto de vista de um turista, as mudanças impostas pela Globalização, crises econômicas e como é o padrão de comportamento de diversos povos pelo mundo. Se não me engano, já estive em dez países diferentes, fora o Brasil.

Também tive a oportunidade de viajar muito pelo Brasil, a trabalho. E quando falo muito, considero que já estive em 17 capitais, mais o DF, e diversas cidades do interior, em todas as regiões do Brasil. Já perdi a conta de quantas, mas acho que posso dizer que tenho uma razoável amostragem do que é o povo brasileiro.

Além disso, morei por três meses na Itália. Foi um período curto, mas já não era um turista. Trabalhava, pagava as contas, fazia compras... Faz tempo, 10 anos. Foi minha segunda experiência internacional, mas foi uma das mais marcantes. Certa vez, escutei de um italiano que foi convidado para trabalhar nos Estados Unidos que "se você tem uma oportunidade de crescer e se desenvolver no seu país, não se mude. Fique na sua terra. Porém, para quem já esgotou todas as possibilidades e não consegue ver seu crescimento pessoal no seu país, a mudança pode ser positiva." - e ele continua na Itália até hoje.

Também tenho alguns amigos que tiveram suas experiências morando pelo mundo afora. Pude aprender com eles também, compartilhando nossas ideias.

Fora isso, sempre procuro conversar um pouco com os "locais", estrangeiros residentes ou nativos, para aprender um pouco mais sobre a sua cultura e seus hábitos. Como bem diz uma prima minha, faço amigos facilmente.

Durante todos esses anos, aprendi que independente de credo, raça, classe social e capacidade intelectual, um estrangeiro sempre será um estrangeiro e que mudar de país não é fácil. É uma grande mudança, e grandes mudanças, em geral, não são fáceis. 

A forma como cada um lida com o fato de ser um estrangeiro, de estar longe da família e dos amigos, de ter que se habituar a costumes e regras sociais, é muito particular. Varia de pessoa para pessoa.

Também vai depender das atividades que serão exercidas na nova terra, o quão cosmopolita é a cidade em que foi fixada a nova residência e a dificuldade de se aprender a língua local.

Tem gente que se adapta com facilidade, tem gente que não. Tem gente que consegue se dar bem e não volta, tem gente que não suporta um mês longe de casa. E tem aqueles que não seguem nenhuma dessas regras.

Fora essas questões pessoais, devemos levar em conta todas as questões relacionadas à documentação e legalização de um estrangeiro em um novo país. Sim, porque estou considerando que a mudança deve ser feita de forma correta. E para fazer as coisas direito, fica ainda mais difícil.

Nesse aspecto, é interessante saber que o Brasil é um dos países mais fáceis para um estrangeiro conseguir a documentação para fixar residência e trabalhar.

Bom, neste ponto você deve estar pensando: "então, na opinião do Miguel, sair do Brasil para morar e trabalhar em outro país não vale a pena", certo?

Errado.

Se eu pudesse e tivesse para onde ir de forma legal e correta, já tinha ido embora. Com prazer!

Para mim, o slogan utilizado pela publicidade do Regime Militar, principalmente entre os anos de 1969 e 1974 se não estou enganado, nunca fez tanto sentido. Isso porque, tem que amar muito para não ver a grande pocilga em que nos encontramos. E neste caso, o amor é cego, surdo e burro.

Não precisamos nos comparar com nenhum outro país para nos darmos conta que algo está muito errado. Basta parar e pensar.  Até porque, o mundo fora do Brasil não é uma maravilha. Muitas cidades são sujas, superpopulosas, nem todas as pessoas são educadas. Quem viaja achando que via encontrar um mar de rosas no exterior, se decepciona. A maior diferença, no entanto, é que as coisas que deveriam funcionar, aparentemente, funcionam. E isso já é muito melhor.

Só que "parar e pensar" já é um grande problema, pois aparentemente esse dom já foi perdido pela maioria da população. As pessoas preferem ser lideradas a liderar, ser mandadas do que mandar, seguir o que falam ao invés de pensar. Somos gado seguindo um caminho que ninguém sabe onde vai dar, nem porque esse é o caminho, mas somos felizes assim.

E não importa o motivo. Seja uma questão política, antropológica, histórica ou intelectual, o nosso sistema, nosso país, não funciona como nação e, para mim, não funcionará tão cedo.

Não é uma simples questão de estar desistido, abandonar o dever cívico ou a pátria amada ou mesmo optar pelo caminho mais fácil. Muito menos a motivação seria falta de interesse em lutar ou dar o exemplo. Mas, quem procura fazer as coisas da forma correta, virou minoria e é marginalizado. O mundo é dos espertos, e otário é aquele que não quer se dar bem a custa dos outros. Não temos mais "massa crítica" de pessoas decentes que consigam fazer diferença.

Então, simplesmente não me vem uma ideia melhor. Se me perguntarem o que eu acho que deveria ser feito para mudar e arrumar o Brasil, eu diria: "começar tudo novamente".

O pior: todo poço tem seu fundo, mas sinceramente eu acho que ainda não chegamos lá.

Hoje, sinto-me como um estrangeiro em meu próprio país. E tanto meu lado emocional quanto meu lado racional sabem disso. Portanto, não mais existe uma balança que tenta se equilibrar. Já pendeu para um lado só, faz tempo.

Embora eu mesmo tenha usado no título desse post, acho a palavra "abandonar" muito forte. Por tudo isso, Brasil, se eu puder irei te deixar sozinho por uns tempos.

Abraços,

Miguel Michalski.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Os Jumentos do Lula



Olá leitor!

Estou de volta. Pelo menos por hoje.

E escolhi um tema que, na verdade, não tem muito a ver com música ou arte. Talvez tenha a ver com tecnologia, de alguma forma. Mas, com certeza daria um bom enredo para um filme.

Quem me conhece pessoalmente já deve ter ouvido a expressão "os jumentos do Lula" quando me refiro aos jegues (ou jumentos, dependendo da região) que vagam pelos estados nordestinos.

Sim, vagam, livremente. Pelas estradas, pelo cerrado, pela caatinga.

O fenômeno chegou a ser manchete em alguns meios de comunicação no ano passado, quando foi anunciado que a China iria passar a importar os jumentos nordestinos, vivos e abatidos, para consumo e, principalmente, para a indústria de cosméticos.
 
Quando essa notícia veio à tona, teve político, líder de ONG, nordestino e até veterinário se pronunciando. Depois, como quase tudo no Brasil, sumiu de cartaz e hoje não sei como está a exportação de jumentos do nordeste para a China.

Porém, sei que eles continuam vagando pelos estados nordestinos. Sei por que vi. E é muito interessante quando constatamos com os próprios olhos um fenômeno social, econômico e animal deste tipo.

A história é simples: com a economia equilibrada herdada pelo governo Lula de seus antecessores, juntamente com a preocupação social de nosso estimado ex-presidente barbudo, a população mais carente passou a ter acesso a produtos industrializados de maior valor. Bens de consumo, como eletrodomésticos e motocicletas.

E, neste caso, eis que a vida dos jegues é alterada. Sim, porque embora um jegue não se importe nem um pouco se seu dono conseguiu comprar uma geladeira, a partir do momento que a motocicleta passou a ser parcelada em prestações a perder de vista, ele, o jegue, ficou obsoleto.

A motocicleta dá status, não defeca pela rua, tem manutenção barata, consome pouco e não dá cria. E todos podem ter a sua, adultos, velhos e crianças. E ninguém vai ganhar uma mordida ou um coice por passar perto de uma motocicleta de forma desprevenida.

Então, porque o agora endividado sertanejo manteria um jegue se tem sua moto?

E, de fato, pelas cidades nordestinas, inclusive no interior, bandos de motociclistas percorrem o recém-colocado asfalto (graças ao PAC) das estradas enquanto seus jegues e jumentos ficam pela beirada, em busca de uma sombra e uma moita de capim.

Sim, porque o jegue quer que o mundo acabe em verde para ele morrer de barriga cheia.

Mas o PAC não previu que o jegue não sabe que deve olhar para os dois lados antes de atravessar uma estrada, ou permanecer no acostamento, que quase nunca existe (também não foi previsto no PAC que estradas precisam de acostamento - ou tem asfalto novo e não tem acostamento ou tem asfalto velho, cheio de buraco, e um canto para parar), com seu pisca alerta ligado.

Então, a consequência direta deste cenário são acidentes e mais acidentes nas estradas nordestinas onde as maiores vítimas são os jumentos. E os maiores beneficiados, os urubus e abutres. Bom, agora os chineses, que podem se deliciar com mais essa iguaria made in Brazil.

Recentemente estive no Piauí e tirei essa foto na beira de uma BR. Só para registrar.



O curioso é que, embora o jegue tenha sido substituído pela moto, a forma de se usar o novo meio de transporte não é diferente da anterior: sem capacete, sem licença, sem placa e sem documentação. E claro, sem número definido de passageiros. Famílias inteiras percorrem as ruas do interior do Nordeste em uma única motocicleta, sem cuidados básicos e sem a menor noção das regras de transito vigentes.

Afinal, aquilo é apenas um jegue com rodas. E isso o PAC também não previu.

Abraços,

Miguel Michalski.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vamos a bailar un Tango

Olá, leitor!

Há tempos que não escrevo algo novo por aqui. Mas, recentemente dei uma passada por Buenos Aires, uma breve viagem de reconhecimento à capital argentina, e de lá pude trazer uma breve história da origem do Tango, como estilo musical e dança.

Não posso garantir a veracidade dos fatos aqui narrados, até porque eu escutei essa história de um guia de turismo portenho.

Não sei quanto de lenda ou de verdade ouvi, mas uma pequena pesquisa me fez ver que, pelo menos, existe um grande sentido em tudo.

Além disso, contada da forma como foi, a história sobre a origem do Tango se tornou uma das melhores narrativas que já ouvi. Sem dúvida, um exemplo de como a cultura é um reflexo fiel da sociedade, e como sua evolução se dá de forma tão aleatória e, ao mesmo tempo, lógica.

Bom, o Tango, como música, nasceu graças a um mosquito. Ponto!

Na década de 1870, Buenos Aires atravessou uma das maiores epidemias de febre amarela de sua história. Não era a primeira vez que a capital portenha sofria com esse problema, nem foi a última. Mas para dar uma ideia da gravidade da situação, apenas no ano de 1871 os Argentinos testemunharam a morte de 14.000 pessoas, praticamente 10% da população em sua capital.

Nesta época, um dos maiores focos da doença foi o bairro de San Telmo, no sul de Buenos Aires. Este bairro cresceu ao redor da Igreja de São Pedro Telmo.


Igreja de São Pedro Telmo


San Telmo é um dos mais antigos bairros da cidade e no início de sua história, prosperou em função do porto da Boca, o primeiro porto de Buenos Aires. Era um bairro habitado por famílias aristocráticas da capital. Contudo, com a epidemia de febre amarela, estas famílias iniciaram um processo de migração para o norte do país, abandonando suas casas, pequenos palacetes na cidade.

Praticamente trinta anos se passaram e o bairro de San Telmo já havia se tornado um bairro fantasma. Porém, com o início da imigração dos europeus para a América do Sul, já no início do século XX, o cenário começou a mudar.

Atraídos pela facilidade de se conseguir terras e com a propaganda do governo argentino que oferecia moradia gratuita aos imigrantes europeus, diversas famílias de espanhóis, italianos, franceses e ingleses aportarem em terras portenhas.

E, adivinhe, onde estava a moradia gratuita? Em San Telmo.

As casas, que uma vez pertenceram aos aristocratas de Buenos Aires, abandonadas devido à febre amarela, foram doadas pelo governo portenho aos imigrantes. Contudo, onde uma família vivia no passado, entre 6 e 10 famílias passaram a viver em torno de 1900.

E não eram famílias que se conheciam. Não! Eram famílias que vinham de diferentes países europeus. Em cada quarto das mansões de San Telmo, uma família se abrigava. Espanhóis em um quarto, franceses em outros, italianos ao lado. As áreas comuns, incluindo banheiros e a cozinha, eram compartilhadas e uma grande Babel se formou.

Essas habitações convertidas eram conhecidas como "conventillos", e são muito semelhantes aos nossos cortiços.

E como em um bom cortiço, duas coisas sempre estão presentes: festas e brigas.

Para alegrar as festas, músicas. E como seria a música que poderia surgir com essa grande mistura? O Tango! A guitarra (violão) vinda da Espanha, o acordeom italiano e o violino francês são os instrumentos básicos do Tango clássico.

É interessante observar que não apenas na música, como também na arquitetura, na culinária e nos hábitos portenhos, toda essa influência de diferentes culturas europeias está presente.

Porém, um cortiço não seria cortiço sem as brigas, as "pelejas".

E eram brigas sérias, brigas de morte. Dois iniciavam, ainda vivos, pelo menos um estaria morto ao final. Brigas de faca.

E foi com essas brigas que a dança que conhecemos como Tango surgiu. Dois homens, armados de faca, braços contra braços, tentando jogar um ao outro ao chão para golpear o abdômen do adversário.

Desta forma, podemos dizer que em sua origem, bem lá no início, o Tango era "dançado" por homens brigões.

Então, como toda a sensualidade do Tango surgiu?

Bom, como as brigas eram sérias e nunca acabavam bem, resolveram proibi-las. Ou seja, quem fosse pego lutando Tango seria preso.

Então, os brigões resolveram armar as brigas em locais fechados.

Inclusive, a expressão "tango", em um dialeto africano, significa "lugar fechado" e era utilizada pelos europeus e seus descendentes para marcar as lutas. Se um homem tivesse uma desavença com outro e desejasse resolver a questão, logo chamava o oponente para um "tango" mais tarde.

E o lugar preferido dos brigões passou a ser as antessalas dos prostíbulos da região.

Lógico que os donos dos prostíbulos ficaram preocupados. Afinal, cada vez que dois machões resolvessem suas diferenças com um tango, alguém saía morto, a polícia chegava e o bordel fechava (pelo menos naquela noite).

Então, para evitar o fim trágico e o prejuízo, os donos dos prostíbulos resolveram combinar com suas prostitutas que, cada vez que uma briga de faca se iniciasse, as "damas" deveriam tentar separar os machões.

Imagine a cena: um bordel, o Tango tocando, dois homens começam a discutir e decidem resolver o caso na faca. Levantam-se, vão para o meio do salão e iniciam a briga. Porém, antes que a coisa fique séria, duas "belas donzelas" acodem, uma para cada lutador. E seguram os braços dos brigões. E tentam mantê-los separados. E usam suas pernas, suas mãos, sua força e sua sensualidade para manter os dois brigões longe um do outro e, principalmente, acalmá-los.

E eis que surge o Tango, por completo. E eis porque o Tango nasceu graças a um mosquito...

Algumas curiosidades sobre o Tango:

O mais famoso cantor de Tango argentino, Carlos Gardel, era francês, nascido em Toulouse, em 11 de dezembro de 1890.

Ele chegou à Argentina em 1892 e faleceu em Medellín, em 24 de junho de 1935.

Contudo, antes de falecer, conheceu Alfredo Le Pera, um paulistano nascido em 8 de junho de 1900. Le Pera era filho de italianos e em 1902 mudou-se para o Uruguai. Pouco tempo depois, foi para a Argentina, onde trabalhou como jornalista e crítico de teatro.

Em 1932, quando residia em Paris, trabalhava para a Paramount Pictures, empresa que teve interesse em divulgar a carreira de Carlos Gardel internacionalmente. Desta forma, além de se tornar o escritor de diversos scripts de filmes sobre o Tango, foi o criador de letras de Tango de alto nível, todas cantadas por Carlos Gardel. 

Um dos Tangos de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera mais conhecido é chamado "Amargura".




Alfredo Le Pera veio a falecer no mesmo trágico acidente aéreo que tirou a vida de Carlos Gardel.

Até hoje, um francês e um brasileiro, filho de italianos, são lembrados pelo povo argentino, mantendo suas obras vivas juntamente com o Tango.

Abraços,

Miguel Michalski.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Ordem de Efeitos

Olá leitor.

Sei que estou há muito tempo sem aparecer e escrever nada por aqui, e sei que muitos vão reclamar, pois quando resolvo aparecer, coloco um texto que não é meu.

Porém, um comentário de um leitor (obrigado Tato) me fez lembrar que eu nunca compartilhei esse texto aqui.

Ele foi escrito por um grande baixista, Mario Souza Lima, também conhecido como Mario Farufyno, responsável pelos grooves de uma banda de samba-rock de São Paulo, Farufyno.

O Mário compartilhou esse texto em um grupo do quase extinto Orkut, “Baixo Brasil”, há muito tempo.

Não cheguei a conseguir a autorização dele para usar o texto. Mas a mesma também não foi negada. Na verdade, o texto já era público (de certa forma) no Orkut, mas como faço questão de tentar manter as coisas em ordem, dou todos os créditos ao Mário e se, um dia, de alguma forma, ele se sentir prejudicado pela postagem desse texto aqui, posso tirá-lo do ar sem problema.

No mais, apenas posso dizer que é, sem dúvida, o melhor texto sobre pedais e seu uso com o contrabaixo (e as guitarras em geral) e, por mim, deve ser compartilhado com todos os músicos que se interessarem.

Esse texto foi a base dos meus experimentos com pedais e até hoje sigo ele em praticamente tudo.

Ei-lo aqui:


Ordem de Efeitos... (e pedais stereo)

A ordem dos efeitos influencia sim e é por isso que cada um tem sua preferência na ordem de montagem deles, mas, de modo geral, você pode seguir uma regrinha (que você igualmente pode driblar se preferir é só experimentar pra ver se gosta mais):

Comece pelos pedais de "ganho", o que incluiria dinâmica, passe pelos de equalização e só então vá para os de "síntese" e feche com os de "tempo". Algo como 1º Drive ou Fuzz, algum dos vários tipos de distorção, depois Equalizadores, gráficos ou paramétricos, igual aos estágios do seu (pré) amplificador 1º o ganho do Input e depois o Equalizador. Regulado o ganho e o timbre você entra nos "efeitos" propriamente.

Agora temos pedais que chamei de "de Síntese" que podem ser desde Oitavadores até os pedais "Synth" como os Auto-Wha e afins. Na verdade, os Wha são os pedais com maior variação de posição numa pedaleira e têm gente que os põe no início da cadeia e outros que os põem no final (que é quando querem aplicar o Wha ao Drive ou Drive a ele, por exemplo).

Outro pedal que não têm posição fixa são os Compressores, em princípio eles entram no início para suavizar a dinâmica do Baixo e dar uma uniformizada no seu som antes de alterá-lo com efeitos (com tudo de bom e ruim que possa vir disso). Mas algumas pessoas podem preferir usar um Limiter, que é um tipo de compressão de taxa altíssima e ataque idem, no final justamente para equilibrar o sinal que, após processado pode apresentar transientes (sinal rápido de alto ganho) perigosos aos equipamentos pra frente. Esse é um assunto que gera discussões e polemicas entre técnicos de som até hoje.

Para encerrar a cadeia você pode entrar com pedais "de tempo", Chorus, Flanger, Reverb e Delays. Embora os 2 últimos não sejam frequentemente empregados no Baixo, eles têm seu uso, em especial para solo. Se você for usar Chorus e Delay junto, ponha o Chorus antes.

Reverb e Delay, como dão "dimensão" e ambiente ao teu som, sempre entram no final. É como se você levasse teu amplificador da sala para o banheiro, ou catedral...

Acho que isso cobre os possíveis tipos de pedais que você possa estar pensando em empregar.

O DI é outra questão polêmica, se você for gravar ele deve ir antes, pois o emprego de efeitos sempre complica a mixagem, uma vez que cada um tem um ganho de saída diferente quando não alteram a equalização. Por isso os técnicos tendem a querer pôr e regular os efeitos só na hora da Mixagem. E é por isso também que muito técnico gostaria que enviássemos o sinal limpo pra eles mesmo num show "ao vivo".

Mas o camarada não vai ter um Wha na mesa nem saber a hora de abrir e fechar um reverb. E por isso te sugiro que o DI vá antes do Amplificador e depois da pedaleira.

As saídas estéreas são um grande fetiche, pois, na verdade, muita PA é feita em mono mesmo. Imagina o cara abrindo o "pan" num show grande e jogando o solo de guitarra no lado esquerdo e você está à direita do palco, vai ouvir tudo baixinho? Por isso é difícil de ver alguém empregando mixagens estéreas em shows ao vivo (talvez em teatros, mas como isso também requer um maior número de potências, é possível que o fornecedor do equipo "miguele" mesmo e você continue em mono).

O estéreo é muito bom se você está na sua casa, em poucas pessoas, ouvindo a duas caixas bem postadas e espaçadas. Fora isso, você nem aproveita a dimensão do panorama estéreo.

Mas se acontecer de você poder aproveitá-lo, você vai precisar de tudo dobrado: Um amplificador por canal e, óbvio, um DI e canal na mesa livre para o canal extra. Lembre que você só vai sentir bem o estéreo se o par de caixas e amplificadores estiverem próximos a um triângulo equilátero com os seus ouvidos (igualmente espaçados entre si e de você).

Abraços,

Miguel Michalski.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Seria esse o fundo do poço?


Durante essa semana estive mais ausente das redes sociais do que o normal, devido ao meu trabalho, mas nem por isso deixei de notar algumas notícias que me levam a pensar: estaria a música popular brasileira no fundo do poço? Teríamos finalmente alcançado o que podemos fazer de pior?

A música popular brasileira a qual me refiro não é exatamente a MPB autêntica, estilo musical que começou a surgir na década de 60 com a Bossa Nova e as músicas folclóricas e de raízes brasileiras, e que com o tempo se fundiu a outros estilos, como o rock, o reggae, o samba, dando origem a uma série de estilos musicais, como o samba-rock e o samba-reggae, por exemplo. 

Mas, ao mesmo tempo, o que circula na boca do povo hoje deve ser considerado a “nova música popular brasileira”.  Ou seja, o que é pop em território nacional e foi “fabricado” por aqui, está no bolo. 

E as comparações são inevitáveis...

Bom, eis algumas das notícias as quais me referi:
  • “Sambista Dicró morre em Magé, no Rio, vítima de infarto”;
  • “Michel Teló é comparado a Vinícius de Moraes e Tom Jobim”; 
  • “Valesca Popozuda e Mr. Catra lançam pagode pornográfico”.
Aparentemente, nada tem haver com nada. Mas apenas aparentemente...

Dicró foi um dos “três malandros” do samba carioca. Grande sambista, cantor e compositor, teve com os sambas satíricos, em especial aqueles que falavam mal da sogra, seus maiores sucessos.

Sua música tinha graça, humor, e, embora possa ser considerado politicamente incorreto nos padrões atuais, o seu politicamente correto é tão bem feito que pode ser perdoado até pela própria sogra.

Descanse em paz Dicró!

Sem querer comparar ou medir a grandiosidade de cada um, Dicró, Vinícius e Tom (citados nas notícias) são verdadeiros representantes da música popular brasileira. Cada um em sua zona de conforto, cada um com sua realidade social, mas livres de qualquer preconceito nos dias atuais. São mestres, ninguém pode negar.

O Miami Herald é um jornalzinho americano que circula por alguns cantos da Flórida, Carie e América Latina... Até aí necas... Mas me vem o Miami Herald publicar uma matéria em que simplesmente se coloca o seguinte: “Indeed, Ai Se Eu Te Pego may be the most popular song to come out of Brazil since The Girl From Ipanema”. 

Ou seja, “Ai se eu te pego” é nosso segundo maior produto exportação (o primeiro são jogadores de futebol)...

Descanse em paz Tom, descanse em paz Vinicius...

E a derradeira!

Valesca Popozuda e Mr.Catra são uma dupla de funkeiros, cariocas, chegados a uma polêmica. E talvez isso seja o que eu tenho de melhor a dizer sobre eles...

A nova polêmica da dupla é uma música a qual não tenho como classificar, já que não tenho nada abaixo de “lixo” na minha escala... 

Valesca publicou em seu twitter esta semana que “estava gerando polêmica porque havia largado o funk para cantar pagode sem palavrão”. E publicou um link para tal música... 

Bom, palavrão não falta. E, quando uma música chega a ter a tag “proibida para menores de 18 anos”, ela tem algo mais do que palavrão...  Eu realmente pensei, quando escutei a tal música (sim, eu escutei...): "Como alguém tem coragem de cantar isso?" e também: "Como alguém tem coragem de gravar isso?" e pior: "Como alguém tem coragem de tornar isso público?".

Sei que acabo fazendo propaganda ao escrever sobre essa música aqui... Ainda mais quando o “fale mal, mas fale de mim” virar estratégia de marketing totalmente válida nas redes sociais e blogueira com mais desafetos do que palavras em seu blog virou atração de programa de TV... Mas, a tal música e as notícias vinculadas a mesma não poderiam passar despercebidas.

Vocês irão escutar essa música, querendo ou não. Podem estar certos disso...

É bom esclarecer que não tenho nada contra um MC, Michel Teló ou uma popozuda. Muito menos algo contra a tal blogueira. E não são eles a origem da ferida, enorme, presente em nossa sociedade que quero cutucar.

Também não sou contra músicas de duplo sentido ou que falem de temas picantes. Estou ouvindo enquanto escrevo esse post “Sexo”, disco de 1987 do grande Ultrage a Rigor. E do funk ao rock, passando pelo samba e o pagode, sempre teremos alguém querendo abordar um tema mais provocante. 

Não sou contra o funk carioca, que nos bons tempos foi sem dúvida uma das maiores e melhores formas de expressão do povo carioca oriundo dos guetos e favelas.

Não sou contra o sertanejo, música caipira ou mesmo o sertanejo universitário. A música sertaneja vem da realidade do homem do campo e canta um Brasil que pouca gente escuta.

Na verdade, as diversas formas de expressão que temos na forma de música são verdadeiros reflexos do povo que as alimenta, produz e consome.

Se você é um pagodeiro que gosta de uma manguaça, vai falar sobre bebida em suas músicas. Se você é um vaqueiro que fica dias e dias sem ver a mulher amada, vai cantar músicas sobre “dor de corno”. Se você é um roqueiro satânico que curte um pretinho básico, vai cantar sobre as sombras. Se você é um morador de favela, oprimido por sua condição social e reprimido pela violência, você vai cantar sobre tiroteio, polícia e drogas.

Entenderam a lógica, não foi.

E sobre isso, não vejo qualquer problema...

Afinal, em todos os casos existe um ímpeto interior em cada exemplo de indivíduo citado que o leva a se expressar de alguma forma.

Quem ouve tem a chance de escolher se concorda ou não, se gosta ou não, se vai consumir ou não as ideias que aquele indivíduo apresenta. Vai sentir, ou pensar, que a sua realidade pessoal pode ser refletida de alguma forma na realidade daquele individuo que se expressou com a música. 

O controle de qualidade, o bom senso e o bom gosto serão determinados democraticamente...

A arte produzida por um ser humano reflete o que ele é, o que ele pensa. Quando a expressão artística de uma pessoa se torna um produto consumido pela massa, pode se dizer que a sociedade vê sua realidade e seus valores refletidos nessa expressão.

Porém, o que mais vejo hoje, pois notícias como as que apresentei aqui não cansam de aparecer, assim como músicas cada vez piores, é um povo consumindo um grande e total vazio de ideias, de sentido, de significado. Um grande nada...

A massa se move em direção ao nada...
 
A sociedade está consumindo o nada. A sociedade vê um grande nada em sua realidade e seus valores.

Hoje, mais do que nunca, acredito que a sociedade contemporânea tenha não mais valores distorcidos, ou ideias distorcidas, ou princípios distorcidos... Temos um grande nada de valores, ideias ou princípios. E a nossa música popular está aí para mostrar isso...

Talvez pela facilidade em se propagar, a música popular seja um dos melhores termômetros sociais disponíveis...

E hoje, temos “orgulho” em ver que nosso maior produto popular de exportação é “Ai se eu te pego” e que a realidade de cidades como o Rio de Janeiro se baseia em bundas e outros órgãos relacionados ao sexo. 

Sabem à conclusão que eu cheguei? Dicró preferiu enfartar a ouviu o pagode da dupla funkeira ou ler o Miami Herald... 

Abraços,

Miguel Michalski.

PS: Não quis deixar links neste post... Me recusei... Googlem e você terão o que procuram...